Pintadas sobre os véus, essas mesmas estruturas ensaiam uma emancipação do corpo concreto, anunciam vôos metafísicos e, aproveitando-se da delicadeza do suporte translúcido, virtualmente dispensam a mediação do signo, quando passam a falar à imaginação. Pulsando sobre o papel emulsionado e sob as sucessivas aplicações de veladuras, por outro lado, as revoadas de Môa cumprem um regime de transição e latência. Aqui, pintura e re-pintura tornam-se instrumentos de potenciais descobertas e o tempo da execução da obra transforma-se em caminho de revelações, apresentando metáforas visuais para o deslocamento e fazendo referência direta à ação processual do criador.
Falo em processo do criador quando, na verdade, deveria referir-me à condição peculiar deste criador: toda sua pintura é resultado de uma condescendência não-premeditada, de um acordo silencioso entre o artista e a obra – acordo que permite tanto ao artista subverter e redimensionar objetivos estéticos quanto permite à obra dar-se por concluída quando, ao fim de longa relação de trabalho com o pintor, brinda suas demandas com uma imagem de inesperada beleza. É justamente esse estado aberto e apaixonado de Môa com seu trabalho que eleva sua pintura à condição da verdadeira arte: ao assumir o exercício da expressão não só como uma atividade simbólica, mas principalmente como uma atividade material e concreta, Môa afirma simultaneamente forma e conteúdo, meio e mensagem, intenção e resultado. Ao assumir-se pintor, pintando, abre-se Môa para a história da arte e para a história da subjetividade, apresentando uma obra que põe à mesa de discussões, de um lado, Signac, Seurat e Mondrian e, de outro, Warhol, Rauschenberg, Donaldson e Tanto-Festa; de um lado o desejo, a paixão, a nostalgia e a inocência do homem e, de outro, a disciplina, a segurança do gesto, o olhar crítico e a atitude inquieta do artista.
Gleber Pieniz
Doutor em Artes Visuais